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Venda ilegal de atestado médico no centro da capital

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Há denúncias do esquema até em frente a hospital. O documento forjado é vendido a R$ 60

Conseguir um atestado médico falso é simples. Identificá-lo é igualmente fácil, mas a tática continua sendo utilizada diariamente por funcionários de diferentes empresas para justificar ausências no serviço. Comprovando a praticidade de se obter o documento forjado,  a reportagem do Jornal de Brasília flagrou a venda e  fez a compra por R$ 60.

 Para se ter uma ideia, apenas uma das instituições que trabalham com homologação no DF, o centro médico Check Up, afirma ter  constatado 206 indícios de falsificação no último mês, em meio à análise de 3,5 mil documentos de 88 empresas de grande porte da capital. Algumas irregularidades teriam sido gritantes, como assinaturas de médicos já falecidos ou homens diagnosticados com gravidez – ao que tudo indica, por falha no código da suposta enfermidade.

Tanto governo como entidades médicas e sindicais descartam envolvimento significativo dos profissionais de saúde na emissão irregular dos atestados, mas pedem atenção a eles. A Secretaria de Saúde do DF admite não existir um mecanismo de controle, mas afirma que “as denúncias encaminhadas (à pasta) são apuradas”. Segundo eles, a corregedoria do órgão apura algumas suspeitas sobre pessoas da área, mas não pode divulgar informações a respeito.

OCORRÊNCIA POLICIAL

O Conselho Regional de Medicina (CRM-DF) afirmou não ter dados compilados sobre suspeitas de fraude e orienta médicos a sempre registrarem boletins de ocorrência na delegacia mais próxima em caso de perda de carimbo ou algum documento. Alegando sofrer prejuízos com a prática, o Sindicato do Comércio Varejista (Sindivarejista) acredita que o Projeto de Lei  452/2015, sobre o atestado digital, coibirá o crime. Aprovado na Câmara Legislativa, o texto aguarda sanção do governador.

Facilidade

20150727000616Provocada pela denúncia de uma leitora, o Jornal de Brasília foi atrás de um atestado falso no Hospital Regional do Paranoá (HRP). Ali, haveria um rapaz oferecendo o documento na porta do ambulatório. A  denunciante, uma veterinária com problemas com funcionários excessivamente faltosos, afirma ter ficado chocada com o que viu.

“Na porta da unidade de saúde, tinha um homenzinho com cartaz e tudo, como se fosse uma das barraquinhas de comida. Fui perguntar e ele cobrava uns R$ 15, oferecendo  diferentes tipos de atestado”, relata. Segundo ela, a desconfiança partiu depois de vários funcionários terem aparecido com atestados supostamente emitidos no Paranoá.

A reportagem esteve no local  entre 16 e 20 deste mês, mas não localizou o homem.

Prejuízo a lojistas

O Jornal de Brasília já mostrou que, segundo  o  Sindicato do Comércio Varejista do DF (Sindivarejista), os atestados médicos falsos são apresentados  principalmente às vésperas de feriados e fins de semana. A oferta segue livremente no centro da cidade.

Documento obtido  em dez minutos
 
No coração da cidade,  a reportagem  do JBr. teve sucesso na tentativa de obter um atestado falso, e com relativa facilidade. No início da tarde do último dia 16, equipe foi  levada a um pátio no terceiro piso do Conjunto Nacional por um homem com cartaz no pescoço com os dizeres “Compro Ouro/Exame Admissional e Demissional”. As placas podem ser vistas, aos montes, no pescoço de homens e mulheres, na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto e em frente ao Conic.
Para chegar ao vendedor, identificado como Vágner, bastaram duas perguntas e dez minutos de espera em um banco. Ele combinou o preço de R$ 60 por dois dias de “folga”.
“Mas tem que falar que é dor de estômago, porque senão descobrem. Outro dia, uma cliente foi pega por causa disso”, contou, enquanto instruía o repórter a preencher o Código de Identificação da Doença (CID) com o código “R 10.4”.
O número do CRM da médica cujo carimbo estava estampado no documento falso estava correto, mas a especialidade, não. Até o fechamento desta edição, a profissional não foi encontrada para comentar a situação.
Conduta constitui crime
O delegado Joás Rosa de Souza, da Divisão de Falsificações e Defraudações (Difraudes) da Polícia Civil do DF, explica que o crime de falsificação, previsto no artigo 302 do Código Penal, é de difícil identificação e fácil execução, o que complica o trabalho de investigação. “O atestado pode ser feito em uma folha A4 qualquer. Basta pegar o layout usado por um hospital. Não precisa nem ser expert em computação”, explica.
Segundo ele, desde dezembro de 2014, foram apuradas quatro denúncias sobre o tema, e todas levaram a uma única pessoa, que faria negócios em Arniqueiras,   Águas Claras. “Conseguimos um mandado de busca para a residência e lá localizamos vários atestados em branco e carimbos de médicos”, revela. Apesar disso, o inquérito já foi concluído e ninguém foi preso. Para Souza, a solução é usar sistema de segurança como os vistos em carteiras de identidade e procurações.
Em maio deste ano, o JBr. mostrou que o  Sindicato do Comércio Varejista estava preocupado com mais de 150 casos suspeitos neste ano, envolvendo justificativas médicas para faltas. A situação teria melhorado desde a veiculação da reportagem. “Isso acontece mais quando a economia vai bem”, ironiza o presidente da entidade, Edson de Castro.
“Como têm sido abertas poucas oportunidades, a incidência diminuiu”, insinua, relacionando o medo de perder o emprego a uma suposta menor ousadia dos trabalhadores.
Dono da Check Up, empresa   especializada na homologação de atestados, Alexandre Augusto Bitencourt  alega existir uma “indústria” maligna que “denigre a classe médica”.  “Ao identificar a fraude, encaminhamos ofício ao CRM, comunicamos a empresa e orientamos  o profissional (cujo nome pode ter sido utilizado indevidamente) a registrar   ocorrência”, explica.
Saiba mais
O PL   452/2015 dispõe sobre “a obrigatoriedade de emissão de atestados médicos digitais em toda a rede hospitalar pública e privada, e aos médicos em geral, no âmbito do Distrito Federal”, conforme registrado na ementa do projeto, de autoria da deputada Sandra Faraj (Solidariedade-DF).
O modelo do PL, tramitado e aprovado este mês na Câmara Legislativa, segue o que já existe no Espírito Santo e, teoricamente, dá certo. A proposta aguarda sanção do governador, que, no último dia 15, se reuniu com sindicalistas e empresários  para discutir a lei.
O código da CID que o vendedor fez a reportagem preencher no documento falso  é verdadeiro e se refere a “dores abdominais”, conforme o padrão internacional.
 Médico deve registrar ocorrência
Vice-presidente do Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico), Carlos Fernando da Silva afirma já ter ouvido, de amigos, que seu nome estava em um atestado nunca assinado por ele. “A coincidência é que era a empresa de um conhecido e ele veio checar comigo. A gente não sabe como acontece, isso é quadrilha”, arrisca.
Segundo Silva, a facilidade para confeccionar um carimbo e acessar o número do CRM dos profissionais de saúde torna  o crime ainda mais simples. Como agravante, médicos podem perder seus materiais e facilitar a vida dos mal-intencionados. Nesses casos, a recomendação é procurar a polícia. “Já aconteceu comigo. Fui a uma farmácia fazer receita para minha mãe e deixei meu carimbo no balcão. Registrei ocorrência, mas fiz outro bem rapidinho”, conta.
O vice-presidente admite não saber quantificar as denúncias envolvendo a fraude do documento junto ao sindicato, mas afirma que “às vezes, um colega liga e reclama sobre um carimbo perdido”. “Orientamos a todos para, quando carimbar um atestado, também fazer a assinatura usada na identidade, como mecanismo de proteção”, explica.
 Ele informa que muitos colegas apenas rabiscam linhas e isso facilita a falsificação.
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