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Os argumentos do relator pela inelegibilidade de Bolsonaro

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Foto: Andressa Anholete/Getty Images

De acordo com ministro do TSE Benedito Gonçalves, houve responsabilidade direta e pessoal do ex-presidente ao praticar “conduta ilícita em benefício de sua candidatura à reeleição”.

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral e relator da ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, ministro Benedito Gonçalves, votou nesta terça-feira (27/06) pela inelegibilidade por oito anos do ex-presidente.

O prazo de inelegibilidade seria contado a partir das eleições gerais de 2022, o que significa que o ex-presidente, que tem 68 anos, só poderia voltar a disputar eleições em 2030. O julgamento prosseguirá nesta quinta-feira, quando os demais seis integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverão se manifestar.

Num discurso com palavras fortes, Gonçalves considerou que Bolsonaro cometeu abuso de poder político e fez uso indevido dos meios de comunicação. O juiz isentou o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.

De acordo com o voto do relator, houve responsabilidade direta e pessoal de Bolsonaro ao praticar “conduta ilícita em benefício de sua candidatura à reeleição”, em referência à reunião com embaixadores estrangeiros, no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, que deu origem à ação.

“O conteúdo comunicado às embaixadas e aos embaixadores não tinha qualquer aptidão para dissipar pontos obscuros, mas sim levantar um estado de paranoia coletiva”, afirmou Gonçalves.

“Não é possível fechar os olhos para os efeitos antidemocráticos de discursos violentos e de mentiras que colocam em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral”, prosseguiu.

Segundo ele, Bolsonaro disse “mentiras atrozes” sobre o processo eleitoral brasileiro, mesmo após perder as eleições de outubro, “a fim de manter as suas bases políticas mobilizadas”.

“Minuta do golpe”

O ministro rejeitou o pedido da defesa de Bolsonaro para que fosse retirada do processo a chamada “minuta do golpe”, um esboço de decreto que teria como objetivo reverter o resultado das eleições promovendo uma intervenção no tribunal eleitoral e que foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

A defesa do ex-presidente argumenta que a minuta trata de fatos posteriores à reunião com os embaixadores e, por isso, deveria ser desconsiderada pelo TSE.

Ao rejeitar a exclusão da “minuta do golpe” do processo, o ministro afirmou que “a reunião de 18 de julho de 2022 não é uma fotografia na parede, mas um fato a ser analisado com contexto”, para a compreensão do qual podem contribuir provas posteriores ao caso.

Para o ministro, o esboço de decreto é “golpismo em sua essência”.

Nesta quinta-feira, deverão se manifestar os ministros do TSE Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes, presidente do tribunal.

Estes foram os argumentos do relator:

Uso indevido dos meios de comunicação

O ministro reforçou que, no evento com embaixadores, o discurso de Bolsonaro foi construído para difundir informações falsas com o intuito de convencê-los de que havia um grave risco de fraude nas eleições de 2022 e que o então presidente da República, em simbiose com as Forças Armadas, estava numa cruzada em prol da democracia do país.

Gonçalves enfatizou que o encontro, organizado com a clara intenção de desqualificar o sistema eleitoral, foi transmitido ao vivo tanto pela TV Brasil quanto pelos redes sociais de Bolsonaro, “alcançando ampla repercussão” e culminando na remoção do vídeo por iniciativa da plataforma YouTube.

O relator acrescentou que o candidato estava ciente da popularidade desse tipo de conteúdo na internet e utilizou a condição para gerar engajamento e manter uma mobilização política de caráter passional incapaz de aceitar contestações vindas de fora da bolha de seguidores.

Para o ministro, houve “difusão deliberada e massificada, por meio de emissora pública e das redes sociais”, de desinformação sobre o sistema eletrônico de votação e sobre a governança eleitoral brasileira em benefício da candidatura de Bolsonaro.

Abuso de poder político

Quanto ao abuso de poder político, o corregedor-geral afirmou que Bolsonaro teve uma conduta “aberrante” ao usar o poder simbólico de presidente da República e a posição de chefe de Estado para “degradar o ambiental eleitoral”.

De acordo com o ministro, ao proferir falas sem qualquer embasamento técnico com o único objetivo de confrontar o TSE, Bolsonaro violou ostensivamente as obrigações de presidente da República listadas na Constituição, em especial o dever de zelar pelo livre exercício dos Três Poderes, pelo exercício dos direitos políticos e pela segurança do país.

O ministro destacou ainda que, de forma intencional, Bolsonaro desprezou o “farto material” produzido pelo TSE sobre o funcionamento das urnas, optando por exercitar, perante os chefes das missões diplomáticas, a mesma prática discursiva utilizada em lives nas redes sociais para reafirmar a desconfiança infundada na atuação da suprema corte eleitoral.

Tudo isso, segundo Gonçalves, configura abuso de poder político, pois Bolsonaro “fez uso de sua posição de presidente da República, de chefe de Estado e de comandante supremo das Forças Armadas para potencializar os efeitos da massiva desinformação a respeito das eleições brasileiras apresentada à comunidade internacional e ao eleitorado”.

A ação julgada pelo TSE

Bolsonaro é acusado de cometer abuso de poder político e de usar indevidamente os meios de comunicação durante uma reunião que ele, então pré-candidato, organizou com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, e na qual fez vários ataques infundados à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, em especial às urnas eletrônicas.

Na reunião com os embaixadores, Bolsonaro fez uma série de acusações mentirosas e sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro. Ele repetiu teorias fantasiosas sobre as urnas eletrônicas, atacou ministros do Poder Judiciário e declarou que o TSE deveria acatar “sugestões de transparência” feitas pelas Forças Armadas. O evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido ao vivo pela TV Brasil e em redes sociais.

Na época, o jornal The New York Times chegou a publicar que diplomatas ficaram abalados e incomodados com as falas de Bolsonaro.

Depois da reunião com os embaixadores, já em agosto de 2022, o PDT moveu uma “ação de investigação judicial eleitoral” contra Bolsonaro. O partido – que tinha Ciro Gomes como candidato à Presidência – afirmou que o então presidente praticou abuso de poder político.

Segundo o TSE, o abuso de poder político ocorre quando aquele que detém o poder se aproveita da sua posição “para agir de modo a influenciar o voto do eleitor”.

O PDT argumentou ainda que Bolsonaro fez uso indevido do aparato estatal, já que a reunião ocorreu no Palácio da Alvorada e foi transmitida na íntegra pela TV Brasil, que é pública. A legislação brasileira proíbe candidatos que buscam a reeleição de usar a estrutura estatal e a máquina pública em seu proveito.

A ação também apontou para o uso indevido de meios de comunicação social, já que Bolsonaro usou suas redes sociais para divulgar os ataques ao sistema eleitoral. O PDT argumenta que o ex-presidente visava ganhos eleitorais com a publicação das imagens, até porque ele parecia ter o apoio dos países representados na reunião.

Ou seja, o encontro com embaixadores em Brasília foi uma das peças de campanha eleitoral que compuseram a narrativa criada por Bolsonaro de que as urnas eletrônicas podiam ser fraudadas.

A investigação coletou depoimentos e provas. O vídeo da reunião com os embaixadores é a principal delas. Ele foi entregue pelo próprio PDT quando moveu a ação.

Outra prova incluída no processo foi a chamada “minuta do golpe”, apreendida pela Polícia Federal. O documento é o rascunho de um decreto presidencial com o qual Bolsonaro instauraria Estado de Defesa e realizaria uma intervenção na sede do TSE em caso de derrota nas eleições. Ele foi encontrado na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro.

Essa minuta pode reforçar o entendimento de que ameaças golpistas eram recorrentes no governo passado – e inclusive envolviam outros órgãos de Estado.

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