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O preço dos remédios em hospitais subiu 16% na pandemia. Quem paga?

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Alta foi a maior ao menos desde 2015, segundo novo índice elaborado pela Fipe e pela Bionexo. Remédios são cerca de um terço da conta dos hospitais

Hospital em Porto Alegre: remédios comrpados por hospitais para UTIs ficaram mais caros por alto do câmbio e muita demanda global (Diego Vara/Reuters)

A falta de insumos hospitalares — de máscaras e luvas médicas a medicamentos — foi um dos temas mais latentes durante os primeiros meses da pandemia da covid-19. Parte da falta foi amenizada no decorrer do tempo, mas, no segmento de medicamentos, muitos hospitais pelo Brasil ainda sofrem com a falta dos insumos e os preços mais altos do que o normal mesmo meses após o começo da pandemia.

Um novo índice elaborado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) em parceria com o marketplace de insumos médicos Bionexo lançado neste mês joga luz sobre uma das frentes que compõem a conta hospitalar: os preços dos remédios comprados por hospitais e a situação da oferta e demanda no Brasil.

Os dados mostram que o preço dos medicamentos hospitalares cresceu 16,44% entre março e julho, segundo o novo Índice de Preços de Medicamentos para Hospitais (ou IPM-H). É um aumento sem precedentes: antes disso, até 2015, quando há dados registrados, os maiores aumentos haviam sido de pouco menos de 5% em 2015, 2016 e 2018.

Se contabilizado o período desde o começo de 2020, o índice de preços de remédios cresceu 18,72%. A título de comparação, no mesmo período, o IGP-M (Índice Geral de Preços), da Fundação Getúlio Vargas, cresceu pouco mais de 9%, e o IPCA, do IBGE, subiu 2,31% — esses índices medem produtos mais gerais, de alimentos a bens de consumo, e mais voltados aos consumidores. O IPM-H, vale lembrar, não leva em conta os remédios oferecidos ao consumidor na farmácia, mas os comprados por hospitais.

Dois fatores explicam a alta maior dos remédios hospitalares: a alta do câmbio e a grande demanda pelos insumos durante a pandemia, diz Bruno Oliva, pesquisador da Fipe e um dos responsáveis pela elaboração do índice. “Os medicamentos cujos preços mais aumentaram estão diretamente ligados à covid-19, porque são os usados em pacientes nas UTIs”, diz Oliva. “Quando há um aumento de demanda tão rápido a tendência é que os preços aumentem. A desvalorização do real também impactou.”

A taxa de câmbio nominal do real frente ao dólar cresceu 28% até julho em 2020, mais ainda do que o preço dos remédios calculado pelo índice.

A alta nos preços de medicamentos hospitalares foi impulsionada sobretudo por três grupos de medicamentos. Primeiro, os de suporte ao aparelho cardiovascular (cujos preços subiram 93% entre março e julho), seguidos pelos remédios de sistema nervoso (66%) e de aparelho digestivo e metabolismo (50%).

Embora tais medicamentos pareçam não ter relação direta com a covid-19, Rafael Barbosa, presidente da Bionexo, afirma que muitos remédios dessas categorias são usados para tratar efeitos colaterais relacionados ao coronavírus.

“Pacientes com pré-existência de problemas cardiovasculares podem ter mais complicações com a covid-19. Um quadro inflamatório grave também pode gerar parada cardíaca”, diz Barbosa. “O omeprazol, por exemplo, é um remédio para quem tem gastrite. Mas o paciente que está em uma alta dose antibiótica começa também a ter complicação gástrica, e o remédio precisa então ser usado”, diz.

Ou seja, todo tipo de remédio que é usado em UTI para tratamentos críticos teve uma alta maior em virtude da pandemia.

Ainda assim, a alta geral dos preços é menor do que dos remédios associados às UTIs porque esses medicamentos impactam menos o índice geral de preços. Os que mais afetam o índice são os oncológicos, contra o câncer, que são comprados com frequência por hospitais e têm preços elevados – e esse grupo não teve relação direta com a pandemia.

Segundo Barbosa, houve duas ondas de escassez geradas pela covid-19. Primeiro foi a de EPIs no começo da pandemia — em que profissionais de saúde sofreram com a falta de máscaras, luvas e outros equipamentos de proteção individual. Mas o problema de medicamento começou sobretudo quando o Brasil entrou numa quantidade de UTIs usadas para pacientes em estado crítico, de mais de 90% de ocupação em alguns lugares.

“A falta de medicamentos se mostrou sobretudo quando a pandemia começou a ir além de São Paulo, para outros estados e cidades do interior. E aí a situação da demanda por medicamentos ficou mais crítica, principalmente na rede pública”, diz Barbosa. “Teve muito hospital que não tinha sedativo para usar na UTI.”

Grosso modo, o IPM-H tem por objetivo ser quase um “IPCA” dos medicamentos hospitalares no Brasil e referência para as empresas do setor.

Era um indicador em falta. Atualmente, a inflação dos medicamentos e seu preço é parcialmente medida pela CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), um órgão interministerial que determina o teto de aumento dos remédios autorizado pelo governo com base na inflação do período, câmbio, produtividade da indústria e outros fatores. Mas, como as atualizações da CMED são apenas anuais, há momentos em que os valores ficaram fora da realidade da pandemia.

Enquanto a CMED estabeleceu aumento entre 5,21% e 3,23% para 2020, a alta real foi maior. Pelo IMP-H, além do crescimento de 18,7% em 2020 até julho, a alta dos últimos 12 meses anteriores a julho foi de 19,8%.

Nos anos anteriores até 2015, o aumento real de preços medido pelo IPM-H só havia ficado acima do da CMED em 2018. Na ocasião, foi de cerca de 5% no IPM-H e de no máximo 2,84% na CMED. Mas nada comparada ao abismo trazido nos preços pela pandemia.

Para calcular o aumento dos preços, a Fipe usou a base de dados da Bionexo, que liga mais de 2.000 hospitais a mais de 20.000 fornecedores de insumos hospitalares em Brasil, Argentina, México e Colômbia. A plataforma tem 20% de tudo que é transacionado no setor de saúde no Brasil, ou 12 bilhões de reais ao ano, de modo que os dados permitem ter uma dimensão ampla do segmento, dizem os organizadores. (As informações para construção do índice são anônimas e não possuem informações específicas sobre os clientes da Bionexo.)

A Bionexo trabalhava para lançar o índice há dois anos, mas acelerou o projeto em meio à pandemia. “Tendo esses dados na nossa plataforma durante a pandemia, em um período em que as informações de preço foram tão escassas, me senti na obrigação de compartilhá-los”, diz Barbosa.

Remédios que contêm cloroquina
Remédios: alta nos custos deve afetar a inflação geral dos hospitais e impactar preços para operadoras, empresas e consumidores (GERARD JULIEN/AFP)

Volta ao normal

Após o pico de alta dos preços nos primeiros meses da pandemia, tem havido uma acomodação dos valores, como mostra o histórico do índice.

Em julho, a alta mensal foi de 1,74% na comparação com o mês anterior. Em junho, havia sido de 4,58%.

O IPM-H não calcula aumento de preços de outros insumos hospitalares, como máscaras, luvas, álcool em gel, próteses, aparelhos e outros equipamentos – essa frente também teve alta sem precedentes dos preços no começo da pandemia. Assim, o índice não traz um retrato completo da chamada “inflação médica”, a alta dos preços que aumenta a conta dos hospitais e planos de saúde.

Mas só os medicamentos respondem por entre 25% e um terço de todo o custo hospitalar. A outra metade vem da mão de obra (pagamento de enfermeiros, médicos e outros profissionais). E os cerca de 20% restantes vêm dos demais materiais médicos, segundo estimativas de Barbosa.

“Por isso, essa alta nos remédios, que podemos dizer que também foi vista com outros materiais médicos — embora isso não esteja no índice — mostra que há uma alta fora do radar”, diz. “É um grande desafio para as operadoras. O preço será repassado para as empresas que contratam planos de saúde? Ainda não sabemos quem vai pagar essa conta.”

A base de dados da Bionexo é amplamente focado no setor privado de saúde, que compõe boa parte da cartela de clientes da empresa. Esse setor conseguiu se adaptar rapidamente à alta demanda por remédios do que o setor público. Assim, a desaceleração nos preços e acomodação da demanda vista em julho pode demorar a chegar ao setor público deste mês em diante. “Ainda há muito lugar em que falta remédio, sobretudo no setor público e fora dos grandes centros”, diz Barbosa.

A partir de agora, o índice vai continuar sendo publicado mensalmente e o objetivo dos organizadores é que seja uma base para aumentar a transparência do setor. “Queremos, com o índice, ajudar os hospitais e fornecedores a tomar decisões com base em números reais”, diz o executivo.

 

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