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Gasolina cara traz o carro do futuro: elétrico, alugado e por assinatura

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Por conta da questão ambiental, os carros elétricos, ou EVs, vêm recuperando prestígio e, bem mais lentamente, espaço no mercado

Venda de carros elétricos no Brasil cresce desde 2021 (seksan Mongkhonkhamsao/Getty Images)

Por Omarson Costa*

O preço do petróleo tem sido um indicador sensível na economia mundial. Seu barateamento, há cerca de um século, fez a fama dos carros a combustão, relegando ao esquecimento por um bom tempo outra invenção revolucionária, o carro elétrico. Desde que apareceram no Congresso de Eletricidade de Paris em 1881 pelas mãos do francês Gustave Trouvé, os veículos movidos a eletricidade erampreferidos por 38% dos consumidores nos EUA pouco antes de 1920.

Um século depois…

 Desde o início da pandemia, o preço do barril de petróleo subiu da casa dos US$ 20 o barril para quase US$ 110 no final de junho. No Brasil, a escalada dramática do preço da gasolina teve a luxuosa colaboração da Petrobras. Entre a alta de 2014 e a atual, o preço do litro pulou de cerca de R$ 3 para quase R$ 10. Picos como esse agregam um tom de urgência à pregação constante feita por ambientalistas há algum tempo sobre a necessidade de se modificar a matriz energética dos nossos transportes se quisermos combater de verdade o aquecimento global.

Por conta da questão ambiental, os carros elétricos, ou EVs, vêm recuperando primeiro prestígio e, bem mais lentamente, espaço no mercado. O número de carros elétricos em circulação em todo o mundo em fins de 2021 somava cerca de 16,5 milhões, o triplo da frota em 2018. O levantamento ainda mostra que 2 milhões de carros eletrificados foram vendidos no primeiro trimestre de 2022, avanço superior a 75% em relação ao mesmo período do ano passado.

Ainda que sejam promissores, esses números mostram que a disparidade ainda é praticamente incomparável. Tomando por base a mesma data, fins de 2021, os carros a gasolina no mundo totalizavam mais de 1 bilhão.

De acordo com estimativas do ICCT (The International Council on Clean Transportation), se o mundo quiser respeitar as metas de redução na emissão de gases causadores do efeito estufa fixadas pelo Acordo de Paris, será necessário reduzir em 40% a queima de combustíveis fósseis entre 2020 e 2030 e de 80% entre 2020 e 2050. Se levarmos em conta que a população está aumentando e consequentemente a demanda por transporte, o grau de eficiência dos veículos precisará responder por grande parte dessa eficiência.

Movimentação da indústria

 A evolução ainda é muito desigual ao redor do mundo. O domínio per capita em termos de eletrificação da frota está bastante adiantado na Noruega, onde quase 8 em cada 10 veículos vendidos no país em 2021 eram elétricos. O país pretende banir a venda de carros a combustão até 2025, mas pode adiantar a meta nesse ritmo. Grandes mercados como Reino Unido, EUA e Coréia do Sul estão entre as dez primeiras posições conforme quadro abaixo. A China deve subir rapidamente nesse ranking também.

Esses resultados combinam o grau de maturidade da indústria automobilística para fazer essa transição, com o nível de comprometimento dos governos com esse tipo de meta. O governo norueguês desenvolveu uma rede de incentivos para adoção do carro elétrico. O mesmo vem sendo feito na China.

Dar incentivos fiscais a fabricantes e pessoas físicas ou jurídicas que compram veículos elétricos tem sido o caminho pelo qual esses índices de vendas vêm aumentando.

Na indústria, a Tesla de Elon Musk é a líder de um universo de startups como Lucid, Fisker e Rivian com frotas totalmente elétricas. Grandes montadoras estão assumindo compromissos públicos com metas de eletrificação, como Ford, VW, Nissan, Mazda, Honda, Toyota e BMW. Fabricantes de carros de luxo como Jaguar, Bentley, Porsche e Volvo também fixaram datas para banir o motor a gasolina.

Na CES 2021, a General Motors causou rebuliço no mercado ao informar que pretendia lançar 30 novos modelos de EVs até 2025 sob as marcas GMC, Chevy e Cadillac. Mais recentemente, anunciou um mega desconto no preço de um modelo de entrada, o Bolt, que passará a ser vendido por cerca de US$ 26 mil.

Apesar de todo esse movimento, um dos grandes empecilhos para o crescimento da eletrificação das frotas mundo afora é exatamente a questão do preço, que ainda é bastante salgado comparado aos carros convencionais e mesmo os híbridos. Normalmente, um veículo elétrico novo costuma sair da fábrica nos EUA uns US$ 19 mil mais caro que um carro convencional, o que dá aos carros elétricos o mesmo tom que tinham lá no início do século 20 – carros de luxo.

Só que a atual crise do petróleo modifica essa conta um pouco. Mesmo que o gasto inicial de compra seja mais alto, o custo por ano para recarregar um EV é mais de quatro vezes inferior ao de encher o tanque com gasolina e essa conta precisa ser feita, agora que as baterias dos carros elétricos aumentaram a autonomia.

E o Brasil nessa história?

 Com tanta gente fazendo piada ou apenas profundamente revoltada com o aumento do preço da gasolina nos postos brasileiros, a conta do carro elétrico faria sentido por aqui? Como é o nosso ambiente de negócios nesse setor?

Para início de conversa, basta lembrar que o Brasil costuma penalizar produtos industrializados com componentes estrangeiros. Embora a GM não tenha se pronunciado oficialmente, pretende trazer ao Brasil o modelo Bolt. Se nos EUA ele sai por US$ 30 mil, aqui deverá ser vendido a mais de R$ 300 mil.

A montadora com um mix de carros mais completo é a chinesa JAC Motors, com modelos a partir de R$ 150 mil. De maneira geral, os valores partem dos R$ 130 mil e chegam a ultrapassar R$ 1 milhão em modelos luxuosos de marcas como Audi e Mercedes.

Na opinião do presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), Adalberto Maluf, o Brasil está na contramão da tendência mundial, o que não chega a ser novidade, exatamente pela questão dos impostos. Enquanto no resto do mundo os governos aliviam impostos sobre os elétricos, aqui eles são os mais tributados e os movidos a gasolina os menos penalizados. Maluf lembra que nossa opção de energia alternativa era a biomassa (o etanol) e não a energia elétrica.

Ainda assim, as vendas dos elétricos estão avançando por aqui também. Somando modelos elétricos, híbridos e híbridos plug-in, batemos um novo recorde no primeiro semestre de 2022. Houve aumento expressivo sobretudo dos carros elétricos a bateria (BEV), que neste 1.º semestre de 2022 já superaram os emplacamentos de todo o ano passado.

De acordo com a ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), o mercado vendeu 4.073 veículos leves eletrificados em junho (o segundo melhor mês da série histórica), o que totaliza 20.427 unidades no primeiro semestre, um crescimento de 47% sobre o mesmo período do ano passado. Só em junho foram emplacados 1.000 veículos.

Comprar um EV é bom negócio?

 Se você não tem pelo menos R$ 150 mil disponíveis, é pouco provável que possa comprar um carro elétrico zero km. Só que, aos poucos, começam a aparecer os primeiros veículos de segunda mão. A Fipe calcula que em três anos de vida, um EV tenha depreciação em torno de 30%. É preciso levar em conta ainda que a vida útil da bateria desses veículos gira em torno de oito a dez anos. Se o dono de segunda mão tiver de substituir a bateria, vai gastar quase 2/3 do preço original do carro.

Um dos fatores que assusta um eventual comprador de EVs é o receio de ficar sem bateria no meio do caminho, levando-se em consideração que os pontos de recarga são limitados. Vale investir R$ 7 mil em um wallbox, equipamento que apressa a recarga do veículo.

Quanto à eficiência energética, os EVs rendem melhor na cidade que nas estradas porque a velocidade mais alta das rodovias e o consequente menor acionamento do freio dificultam a regeneração da energia.

Mesmo assim, os EVs gastam menos. Um carro elétrico precisa de 20 kWh para rodar 100 km, enquanto um modelo a gasolina vai consumir 10 litros de combustível no mesmo percurso. Partindo de um valor de R$ 0,60 o kWh e o preço médio da gasolina de R$ 6,30 em São Paulo, uma viagem de 100 km com o carro elétrico custaria R$ 12, contra R$ 63 do modelo a gasolina.

Há que se ressaltar duas vantagens para o carro elétrico. IPVA e licenciamento mais baratos (como incentivo) e a dispensa de contribuir com o rodízio de carros em São Paulo. Se não emite gás carbônico, não tem porque ficar um dia em casa. Por fim, a mecânica é mais simples. Menos componentes tornam as revisões mais simples e menos custosas.

Se o custo de aquisição é alto e o de manutenção consideravelmente mais baixo, parece óbvio que é mais vantajoso alugar um carro que comprá-lo. A Renault, na Europa, não aluga carros, mas tinha um programa para a bateria, o que afastava um dos receios principais de comercialização de um EV. Aqui no Brasil oferece o modelo Kwid E-tech para aluguel, com planos a partir de R$ 2.000 mensais.

Car as a service

 Como modelo de negócio para as montadoras, o carro elétrico tenderia a ser pior porque o desgaste mecânico levaria mais tempo, assim como uma eventual troca do modelo. No entanto, vale considerar que um modelo elétrico tem muito mais componentes eletrônicos que mecânicos. Em um modelo da Tesla, com muita eletrônica embarcada, o firmware do carro é quase tão importante quanto a bateria.

Em outras palavras, um EV tem sistema operacional, mais ou menos como um Windows, Android ou iOS. Isso significa que o carro pode estar cheio de sensores para todos os lados só acionados a partir de determinada configuração. Isso abre uma avenida para que uma pessoa possa fazer uma atualização do carro sem trocar de modelo.

Parece maluco demais? Pois saiba que a Tesla tem liberado aos poucos as funções de direção autônoma em seus modelos na medida em que eles são aperfeiçoados e de acordo com a pontuação de segurança do motorista, que fica gravada em seus sistemas. A empresa acaba de fazer uma grande atualização que aumenta a oferta de conteúdo de entretenimento, cria um modo “Lava-Rápido” que dispara uma série de cuidados como subir os vidros, travar portas e o acesso ao plug de recarga, ou outro que permite à câmera do carro gravar clipes com eventos de segurança, como um air bag acionado sem necessidade.

Elon Musk sempre falou que a Tesla também era uma empresa de software. Então, a briga que vimos pelos firmwares de celulares (entre Apple, Android, Blackberry etc.) deve se repetir nos carros. Ao anunciar a versão 16 do iOS, a Apple mostrou diversas funcionalidades novas no CarPlay que controla não apenas entretenimento, mas funções nativas do sistema do carro. Ele é compatível com 98% dos carros, mas não roda em carros Tesla, que também não aceitam apps de terceiros. Lembra do tempo em que telecoms tentaram fazer esse “jardim murado” em torno dos apps para celular?

Nos dias atuais, você optaria por um carro que liberasse acesso a certas funcionalidades somente mediante assinatura? 🤔 A BMW fez exatamente isso. Pague £15 mensais e tenha direito a bancos aquecidos no inverno. Mais £15 e o conforto térmico se estende ao volante do carro. Dirige muito à noite em estrada de mão dupla? Então, por outras £10 mensais acione um serviço que apaga automaticamente o farol alto quando vier um carro no sentido inverso. E assim por diante. O seu carro vai ter um paywall!! Eis o carro do futuro.

*Omarson Costa é diretor de negócios na Accenture e conselheiro de administração para empresas de vários setores

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