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Estudos indagam se neandertais tinham déficits cognitivos e sociais

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FORMAÇÃO E CRESCIMENTO DOS ORGANOIDES (OU MINICÉREBROS) NEANDERTAIS CONSTRUÍDOS EM LABORATÓRIO (FOTO: ALYSSON MUOTRI/DIVULGAÇÃO)

Há milhares de anos, o filósofo grego Aristóteles se atreveu a dizer que viver em sociedade era tanto uma necessidade quanto uma garantia fundamental para a existência da humanidade.

Pois a biologia vai além e garante: viver em sociedade é uma característica evolutiva que nós, homens modernos, adquirimos, e que nos permite uma melhor qualidade de vida. Somos programados para tal e os indícios disso estão em nosso cérebro.

Quem corrobora isso é o geneticista brasileiro Alysson Muotri, professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD).

“Quando comparamos a sociedade humana com outros primatas – como os chimpanzés e bonobos –, fica claro que o ser humano tem uma capacidade única de se relacionar socialmente com diversos indivíduos e de criar sociedades grandes e complexas. Nós descobrimos como viver assim, e isso porque nosso córtex frontal cerebral se desenvolveu muito mais quando comparado aos nossos antecessores. E é essa a razão pela qual acreditamos que essa região esteja envolvida com a sociabilidade humana”, afirma Muotri em entrevista à Revista GALILEU.

Mas se nós, Homo sapiens, somos tão sociais assim (ok, ignore as vezes que você atravessou a rua para não cumprimentar semi-conhecidos), talvez os nossos antecessores não tenham sido nenhum pouco.

É isso que indica nova pesquisa que Muotri desenvolveu com sua equipe na instituição californiana. Com objetivo de entender em que momento da evolução humana o “cérebro social” apareceu, o geneticista decidiu dar um passo para atrás e entender como funcionava o principal órgão do sistema nervoso dos nossos antepassados, os Homo neanderthalensis, mais conhecidos como neandertais.

Em um mundo ideal, o cérebro desses hominídeos estaria pronto para ser analisado cientificamente. Todavia, como os neandertais foram extintos há milhares de anos, Muotri e sua equipe tiveram de reconstruir um organoide molecular a partir de fósseis e restos orgânicos que foram deixados pela espécie.

Um (mini) cérebro novinho em folha
Evidências arqueológicas sugerem que os neandertais tinham hábitos de enterrar seus mortos e de produzir ferramentas rudimentares. Em termos neurológicos, seus cérebros eram um pouco maior do que os dos homens modernos e apresentavam algumas diferenças estruturais em relação aos nossos.

Após uma decodificação do genoma da espécie em 2010, foi comprovado que há muitos fragmentos dos neandertais que estão ausentes no Homo sapiens, uma possível evidência da atuação da seleção natural ao longo da evolução.

O primeiro passo para Muotri e sua equipe reconstruírem o cérebro do povo já extinto foi coletar células-tronco pluripotentes de um voluntário saudável. Em seguida, manipular o genoma desse material no sistema CRISPR (uma ferramenta de edição de genes) e alterar apenas uma única base no DNA da proteína NOVA1, tirando seu aspecto de Homo sapiense colocando as características típicas do genoma neandertal. A NOVA1 foi escolhida pelos cientistas devido sua capacidade de controlar a produção de outros genes no organismo humano.

Essa pequena alteração modificou a estrutura da proteína e fez com que ela funcionasse de forma diferente da que é encontrada na versão humana moderna.

Posteriormente, as células-tronco manipuladas foram adicionadas em materiais para crescer tal como um mini cérebro funcional. Esse processo de crescimento demorou cerca de seis meses, tempo que levou para que as estruturas do córtex fossem desenvolvidas.

Enquanto os organoides estilo neandertal “nasciam”, mini cérebros semelhantes, porém sem a edição na proteína NOVA1 também amadureciam no laboratório.

Uma vez que os dois organoides cresceram suficientemente, Muotri analisou os dois tipos de mini cérebros e notou particularidades que não esperava.

“Nossa expectativa era que essa alteração não gerasse mudanças visíveis, mas, para nossa surpresa, esse gene [da proteína NOVA1] parece ser muito importante e acabou mostrando que, sim, há diferenças em níveis estruturais – no sentido do desenvolvimento do órgão – e funcionais – nas redes nervosas e formação de sinapses – dos mini cérebros”, analisa o geneticista.

A IMAGEM ACIMA REPRESENTA OS ORGANOIDES DE HOMEM MODERNO CRIADOS EM LABORATÓRIO. É POSSÍVEL VER COMO ELES DIFEREM EM ESTRUTURA DOS MINI CÉREBROS NEANDERTAIS (FOTO QUE ABRE A MATÉRIA), OS QUAIS TÊM FORMATO DE “PIPOCA”, ENQUANTO ESTES SÃO MAIS ESFÉRICOS. (FOTO: ALYSSON MUOTRI/DIVULGAÇÃO)

Em outras palavras, os dois organoides tiveram diferenças significativas em suas redes neurais, sendo que o mini cérebro criado com fragmentos neandertais apresentou atividades muito mais reduzidas e lentas do que o outro tipicamente de homem moderno.

Evolução neurológica
De acordo com dados arqueológicos e históricos, os homens modernos e os neandertais se separaram em duas linhagens a cerca de 400 mil anos atrás. Em um determinado momento, inclusive, ambas as espécies conviveram entre si – tiveram até relações sexuais –, mas, em algum momento desse encontro, os neandertais acabaram extintos.

Muito se especula sobre a razão para que esses hominídeos tenham sido extingues, e é por isso que a pesquisa de Muotri levanta uma possibilidade para essa incógnita na evolução humana.

“Ainda é muito cedo para tirar conclusões do estudo, mas, se nossa hipótese estiver correta, podemos especular que os neandertais tinham sérios déficits cognitivos e sociais. Isso pode ter contribuído para sua extinção”, indaga o geneticista.

Outro ponto levantado pelo cientista é que as alterações moleculares encontradas nos mini cérebros de laboratório dos neandertais são semelhantes àquelas encontradas nos mesmos órgãos de crianças com espectro autista.

“Tanto nos neandertais como nos autistas quantificamos um menor número de conexões nervosas (sinapses), levando a alterações em redes neurais do córtex. E quando se tem defeitos na região do córtex cerebral, há alterações sociais substanciais. Exemplo disso são que pessoas com o espectro autista e apresentam problemas de fala, de relacionamento social e até de percepção do que as outras pessoas pensam”, diz o pesquisador.

Bioética em questão
Apesar de Muotri e sua equipe estarem trabalhando nesse projeto há cinco anos, ele ainda não chegou ao fim.

Agora, após os cérebros terem crescido e se desenvolvido, os cientistas irão continuar com as pesquisas das ondas cerebrais produzidas por esses organoides.

O próximo passo será testar a hipótese levantada da evolução cognitiva entre os homens modernos de forma prática.

“Estamos usando as ondas neurais dos organoides para ensinar um robô a caminhas e socializar. Passado o período de aprendizagem, vamos comparar como o robô aprende com um comando vindo de um ‘organoide’ neandertal. Se estivermos corretos, os Neandertais irão levar mais tempo para movimentar o robô, por exemplo”, explica.

Por conta da utilização de mini cérebros, o estudo do geneticista deverá trabalhar com questões de ética, pois os organoides criados em laboratório são capazes de produzir atividade elétrica semelhante a de um bebê recém-nascido.

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